Um grande guru da ioga está virando a política indiana de cabeça para baixo.
Baba Ramdev (foto), 47, acaba de mergulhar a Índia em um verdadeiro psicodrama, ao conduzir uma campanha de greve de fome contra a “corrupção” do governo. De cabelos longos presos em um coque e echarpe alaranjada cobrindo um torso peludo, o guru é um carismático orador de popularidade potencializada por seu programa diário no canal Aastha TV.
A reportagem é de
Frédéric Bobin, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo
Portal Uol, 09-06-2011.

Alguns meses atrás,
Baba começou sua campanha. Sua grande luta é para trazer de volta para a Índia o “dinheiro sujo”, ou seja, os capitais – avaliados por algumas fontes em 204 bilhões de euros [R$ 470 bilhões] acumulados em vinte anos – que deixaram a Índia para encontrar refúgio em paraísos fiscais estrangeiros. Aquele que se define como um sadhu – um “asceta” na tradição hindu – é a mais recente de uma série de figuras da sociedade civil que têm se revoltado contra os desvios financeiros que atingem picos, em tempos de liberalização da economia.
Exímio comunicador,
Baba Ramdev foi aumentando a pressão ao longo das semanas. Sua arma: a ameaça de greve de fome, um recurso extremo de forte carga emocional na Índia, que Gandhi utilizou em sua luta pela independência. O governo central em Nova Déli, dirigido pelo
Partido do Congresso, entrou em pânico com a crescente repercussão suscitada pela iniciativa do guru e se valeu de incrível diplomacia para dissuadi-lo, chegando ao ponto de negociar com ele os termos de um plano de recuperação do famoso “dinheiro sujo”.
Em uma cena surreal, quatro ministros do governo correram para recepcioná-lo, no dia 1º de junho, no aeroporto de Nova Déli, quando ele chegava de seu ashram em
Uttarakhand, no norte da Índia. Tapete vermelho para
Baba Ramdev: o espetáculo da deferência obsequiosa diante do guru chocou até o Partido do Congresso.
Mas era uma causa perdida. Aparentemente exaltado pela febre ambiente,
Baba Ramdev manteve seu projeto de “jejuar até a morte” na plataforma instalada para esse fim na capital. Vinte mil de seus partidários já começavam a aparecer para assistir, debaixo de tendas, ao gesto de sacrifício do santo homem. O governo logo pôs um fim a esse grande “show” transmitido ao vivo por todas as televisões do país. Depois da reverência, o endurecimento. Na noite de 4 de junho, a polícia de Nova Déli interveio a golpes de cassetete e gás lacrimogênio para dispersar a multidão e desmontar o acampamento.
Desde então, a polêmica só faz aumentar. “Bancarrota política”, era o título de um editorial do jornal “
The Hindu”, que criticava a incoerência da atitude do governo, oscilante entre pacificação e repressão. Mas, acima de tudo, a opinião pública parece estar dividida quanto a esse personagem de perfil no mínimo controverso. Porque o sadhu que se faz de asceta é, na verdade, dono de um verdadeiro império econômico – cujo faturamento é avaliado em cerca de 170 milhões de euros - , construído em torno de seu ensino de ioga e da indústria da saúde relacionada. Ele só viaja a bordo de seu jato particular, e possui até uma ilha na Escócia, gentilmente presenteada por um casal de seguidores, de
Glasgow.
A arma da greve de fome
Consequentemente, os serviços fiscais indianos estão começando a olhar mais de perto sua fortuna. Se o governo conseguir identificar alguma ação ilícita, será uma bela oportunidade para apanhar o anjo purificador.
A controvérsia também assumiu um viés ideológico, pois o mestre espiritual professa ideias simplórias. Ele considera a homossexualidade uma “desordem mental” que pode ser curada pela ioga. Ele propõe a pena de morte para os corruptos. Defende a generalização do ensino do hindi no lugar do inglês. Por fim, ele denuncia a crescente influência dos Estados Unidos e das multinacionais na Índia. Esse batido discurso evidentemente agrada a extrema direita nacionalista hindu, que apoia ostensivamente sua campanha. A dois anos das eleições legislativas, vale tudo para enfraquecer o
Partido do Congresso.
Para além do caso de
Baba Ramdev, também tem se exaltado o debate sobre a legitimidade da arma da greve de fome, sobretudo em uma era eletrônica onde a emoção é levada ao extremo por uma incessante cobertura midiática. Em abril, o gandhista
Anna Hazare já a havia utilizado com sucesso, forçando o governo a se comprometer a redigir uma lei anticorrupção. Muitos comentaristas na época consideraram a ação como uma “chantagem” que minava os fundamentos da democracia.